Maçonaria à cubana:
foice e martelo de um lado, régua e compasso do outro
Várias histórias correm na ilha, tanto nos meios maçônicos quanto fora deles, para explicar essa curiosa tolerância. Alguns dizem que Fidel e Raul são maçons, mais provavelmente o segundo. Outros afirmam que se trata de um dever de gratidão: durante a revolução cubana, Fidel Castro teria se refugiado numa loja maçônica, onde encontrou abrigo e proteção. Por isso, ele nunca fechou nem um único templo maçônico nem perseguiu os seus membros.
O imponente Edifício Maçônico, epicentro das atividades da confraria em Cuba, localizado na Avenida Salvador Allende, no centro de Havana.
Fato incontestável, e que talvez tenha a ver com essa tolerância, é que a própria independência de Cuba foi alcançada em boa parte graças à ação de maçons franceses e cubanos. A maçonaria surgiu em Cuba em 1763, a partir de lojas militares inglesas e irlandesas. Quando os ingleses partiram, chegaram os franceses, aos milhares, fugidos da revolução no Haiti em 1791. A primeira loja realmente cubana foi o Templo das Virtudes Teológicas, fundada em Havana em 1804 pela Grande Loja da Luisiana.
O que torna única a presença da maçonaria em Cuba é o papel que ela desempenhou durante as três décadas de luta pela independência do jugo espanhol entre 1868 e 1895. Os três grandes líderes revolucionários – José Martí, Antonio Maceo e o "pai da nação" Carlos Manuel de Céspedes eram, todos eles, maçons. Historiadores dizem hoje que foi impossível para os revolucionários comunistas varreram para embaixo do tapete a afiliação maçônica desses três heróis nacionais. Mas a verdade é que pouco ou nenhum esforço foi feito nesse sentido. A imensa maioria dos presidentes cubanos, começando por Carlos Manuel de Céspedes, foram maçons.
Há outras características curiosas no comportamento da maçonaria no seio da sociedade cubana. Claro, ela é monitorada pelo governo que quase certamente mantém agentes e informantes infiltrados no interior das lojas. Mas são muito raras as intervenções abertas ou as limitações impostas aos cultos. Para manter esse confortável estado de coisas, os líderes maçons cubanos preferem não adotar posições de confronto com as políticas do regime. Apesar disso, eles recebem de braços abertos em seus quadros um grande número de dissidentes.
Após o esfacelamento da União Soviética – que era o maior parceiro comercial de Cuba – o governo cubano facilitou ainda mais as coisas para a maçonaria, autorizando-a a participar de cerimônias públicas e a abrir várias novas lojas. Todavia, o funcionamento regular de todas as lojas maçônicas ainda está sujeito à permissão por parte das autoridades, e a publicação de livros e panfletos maçônicos é bastante restrita pelos serviços de censura governamental.
A Grande Loja de Cuba, conhecida popularmente como o Edifício Maçônico, foi construída por volta de 1955 para as funções de Templo e sede central das entidades maçônicas de Cuba e chegou a albergar a Universidade Maçônica. Trata-se de um edifício imponente, incluído entre as obras arquitetônicas mais significativas da cidade de Havana. Encontra-se na atual Avenida Salvador Allende, no centro da capital cubana. Sem esquecer que o chileno Salvador Allende, amigo e aliado dos irmãos Castro, era maçom convicto.
Por: Anna Lombardi (La Repubblica, Itália)
Claro, muitas histórias são contadas em Havana. Que a tolerância de Fidel para com a maçonaria deve-se ao seu afeto por um seu professor maçom. Que o padre Angel, famoso proprietário de terras, era um afiliado. Que se trata de um gesto de respeito a seu amigo Salvador Allende, também maçom. Até algumas teorias direitistas, das quais a Internet está cheia, segundo as quais o próprio Fidel é um iniciado. Ou, pelo menos, o seu irmão Raul...
Mas já em 1859 Cuba se orgulhava de possuir uma loja autônoma, a mesma que opera até hoje. Ela escapou inclusive à homologação cultural pós revolução que aconteceu em 1959, embora alguns "irmãos" tivessem proposto a sua dissolução, sob a alegação de que "no novo contexto político certos ideais não tinham mais razão de existir". O Grão Mestre daquela época fugiu para a Flórida com todo o seu estado-maior, e a partir de Miami passou a lançar anátemas sobre seus confrades que permaneceram na ilha, desencorajando-os de eleger um novo chefe.
Flechas que caíram ao mar: hoje, na ilha, existem 318 lojas frequentadas por mais de trinta mil afiliados. O número tem aumentado ultimamente: "Depois da queda do Muro de Berlim" contou um ex grão mestre ao New York Times "muitos jovens vieram a nós em busca de respostas que o Estado não tem condições de dar. Eles nos identificam como exemplo social: não discutimos política nem religião".
Diz Mark Falcoff, experto em América Latina da revista Foreign Affairs, que foi exatamente esse fator que permitiu à maçonaria cubana manter sua autonomia. Evitando a política, a organização pode discutir temas "incômodos" como o aborto e a globalização. E pode acolher em suas fileiras muitos dissidentes do regime: dos 75 presos durante a Primavera Negra, a onda repressora de 2003 que mirou jornalistas, sindicalistas e outros opositores, doze eram maçons. "Mas a Loja não foi envolvida no caso", contou um deles, o jornalista Jorge Olivera ao jornal Chicago Tribune.
Oficialmente, o governo elogia a maçonaria por estar ligada aos momentos mais nobres da história cubana. Mas a Grande Loja precisa de qualquer modo pedir permissão para qualquer coisa: desde depor uma coroa de flores aos pés da estátua de José Martí até a publicação de um simples manual ritual. Em privado, seus membros se lamentam da presença de infiltrados, fazendo aceno a ameaças veladas quando um estrangeiro frequenta um tanto em excesso a Loja. Mas todos pensam que, no futuro, a maçonaria terá um papel importante no processo de reconciliação das diversas almas do país.
Certo, nem todas as lojas gozam de boa saúde. Muitas, sobretudo as que estão muito distantes da capital, estão em ruínas. Mas todas citam o Grande Templo Nacional Maçônico, um edifício de onze andares coroado por um esquadro e compasso, situado no número 508 da Avenida Salvador Allende, em Havana. Quando foi inaugurado, em 1955, era um dos mais modernos de Cuba. E um dos mais ricos, como testemunham ainda hoje os pequenos sofás de couro azul ou as colunas encimadas por globos luminosos. É aqui que acontecem os ritos coletivos. É aqui, entre essas paredes, medalhas e espadas, que o Grão Mestre e o Grão Secretário mantêm os seus escritórios. Há também um museu, uma biblioteca aberta ao público e um asilo que abriga os maçons idosos e administra as doações – sobretudo medicamentos – enviadas pelas lojas americanas e europeias.
Nos subterrâneos se localiza a escura "câmera de reflexão": nela, em companhia de esqueletos e outros símbolos da vanitas (vaidade) humana, o aspirante a iniciado começa o seu aprendizado. "Morre" para depois renascer para uma nova vida no interior da comunidade. Um ritual simbólico que, no país da santeria, o culto sincrético que une elementos africanos a elementos católicos, foi enriquecido com passagens ainda mais macabras.
Monumento funerário maçônico em cemitério de Havana
Santeria e maçonaria, em resumo, para obter consenso na Cuba pós Revolução. A primeira, útil para fascinar a população afro-americana, pouco representada no regime. A segunda, útil para garantir a simpatia da esquerda latino-americana. Foice e martelo de um lado, régua e compasso do outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Esta área de comentários é passível de moderação. Mensagens ofensivas, injuriosas, com linguagem chula ou com conteúdo considerado inapropriado serão apagadas.